A presente tese é assinada pelas tendências Primavera Socialista, Coletivo Lutas, A Esquerda e por diversos militantes independentes que defendem um PSOL radical, combativo, plural, democrático, popular e comprometido com a unidade das esquerdas na luta contra o governo Bolsonaro. Também assinamos o manifesto “PSOL de todas as lutas”, apoiado por Guilherme Boulos e Sônia Guajajara, por diversas tendências internas e por milhares de militantes em todo o país.
O mundo do trabalho no século XXI
O acirramento dos conflitos sociais a partir de 2008 revelaram a profunda transformação das relações de produção provocada pelos avanços tecnológicos e pela emergência da China como potência rival dos Estados Unidos. A posição chinesa como principal plataforma industrial do mundo e o deslocamento de parte das empresas do Ocidente para a Ásia, além da crescente robotização da produção, extinguiram empregos industriais cuja remuneração média era maior que em outros setores da economia, rebaixando o poder de compra de trabalhadores e trabalhadoras. Isso ocorre em larga escala na Europa, EUA e em polos industriais da América Latina. Para gerações de trabalhadoras e trabalhadores que pensavam ter saberes e profissões garantidas para toda a vida, o futuro é um poço de insegurança. Ainda incipientes, novos instrumentos da produção material escapam à lógica industrial e geram resultados, ao mesmo tempo, promissores e devastadores.
A expansão tecnológica prevista para os próximos anos inclui um crescimento exponencial da capacidade de armazenar e processar gigantescas bases de dados. Para além de alimentar a indústria mais lucrativa da atualidade, tais tecnologias oferecem possibilidades para melhorar a vida pública e privada, ao mesmo tempo que implicam riscos substanciais. A nova ordem levanta desafios éticos sobre os quais avançamos a passos lentos, enquanto seus potenciais mercadológicos são explorados a toque de caixa. Se não se reverte este processo, as corporações moldarão de forma ainda mais profunda a vida de milhões de trabalhadores e trabalhadoras.
Os desdobramentos da atual crise econômica sugere que estamos ainda longe de sua superação e, desde 2008, assistimos a um célere processo de desmonte das redes de proteção social. Às novas gerações que ingressam no mercado de trabalho vedam-se o acesso a direitos já conquistados e rebaixam suas perspectivas de vida em relação às que a antecederam. A hipótese de uma futura recuperação econômica que se reverta em empregos é improvável, pois parte considerável destes deve ser substituída pela automação e por mecanismos de inteligência artificial.
O impacto da reestruturação produtiva se estende aos serviços. A automação permite eliminar milhões de empregos através da terceirização do trabalho aos usuários, de forma não remunerada; movimentações bancárias em aplicativos de celular eliminam milhares de postos de trabalho e transferem para os correntistas o trabalho mais simplificado; o ensino à distância reduz a demanda por professores; plataformas online de vendas eliminam gradualmente o comércio de rua e os serviços médicos se automatizam, disponibilizados em aplicativos.
O aniquilamento do trabalho formal e o consequente aumento da informalidade produzem consequências políticas. Os aparatos construídos pela esquerda a partir da Revolução Industrial, em particular os sindicatos, perdem capacidade de diálogo e representação política. A “flexibilização” das relações de trabalho, o enfraquecimento das organizações sindicais e as novas tecnologias geram a descentralização da ação coletiva. Como demonstrou a greve dos caminhoneiros de 2018, novas formas de organização são marcadas pela horizontalidade e pelas ambiguidades, desafiando assim as hierarquias da luta política tradicional. Enquanto, na sociedade industrial, operários se concentravam nas fábricas, numa lógica que favorecia a solidariedade, a sociedade digital produz o isolamento de trabalhadores e uma força de trabalho marcada pela heterogeneidade. No entanto, a pertença aos grupos sociais segue presente. No vácuo dos aparatos organizados pela lógica de classe, crescem as vertentes evangélicas conservadoras e o nacionalismo de direita, mas também os movimentos feministas, de negras e negros, dos povos indígenas, da luta urbana e da população LGBTQ+.
Está em disputa a apropriação profundamente desigual dos enormes ganhos de produtividade potencializados pelas novas tecnologias, que concentra renda no topo e depaupera setores médios e baixos da sociedade.
Uma crise global
A crise do capitalismo, em escala global, gerou um acirramento dos conflitos entre Estados e uma nova ofensiva do capital contra o trabalho. O “neoliberalismo 2.0” é ainda mais violento, predador e desumano que a versão original. Seus padrões de acumulação são ainda mais dependentes de sua dimensão financeira e mais agressivos contra o meio ambiente.
Neste cenário, por um lado, entram em cena atores que flertam abertamente com o neofascismo e por outro, novos movimentos sociais do campo popular. As “revoltas de indignação” que sacudiram a Europa e os EUA na década passada foram preventivamente coagidas com golpes parlamentares e o aumento do Estado policial na América Latina. Ainda assim, inúmeros processos sociais de massas eclodiram na região (Chile-2011, México-2012, Brasil e Colômbia em 2013,) demonstrando a vocação de luta do nosso Continente. Recentemente a luta de massas voltou a ganhar terreno na América Latina, do Chile ao Haiti, do Equador à Bolívia.
Na Europa, o crescimento da extrema-direita se embasa na promessa da volta a um passado mítico. Ao assentar no estrangeiro a culpa pela decadência, seja na figura dos imigrantes, seja nas instituições multilaterais, consegue ganhar base social nos antigos cinturões industriais onde viceja o desemprego e a queda do padrão de vida. Nos EUA, Trump obtém avanços eleitorais em regiões tradicionalmente vinculadas aos Democratas. Na Inglaterra, o Brexit vence o plebiscito manipulando a ideia abstrata da volta a um passado glorioso, “destruído” pelos imigrantes e pela UE.
Essa nova etapa pôs fim ao ciclo de coexistência pacífica entre as forças de centro-esquerda e as frações dominantes do capital na América Latina. Os golpes no Brasil, Paraguai, Honduras e Bolívia são a expressão da ofensiva reacionária das forças burguesas para retomar o controle total do Estado. Governos que se renderam às regras do jogo liberal-democrático e acreditaram no compromisso das elites locais com a democracia foram derrubados. O cerco criminoso do imperialismo à Venezuela, os sucessivos golpes de Estado (Brasil), a cooptação de governos populares (Equador) ou sua derrota eleitoral (Uruguai) mostram que a conjuntura ainda é de ofensiva das forças reacionárias, apesar das crescentes demonstrações de resistência popular.
A vitória de Alberto Fernandéz na Argentina, mesmo que não represente um renascimento do progressismo no continente, rompe o ciclo de ataques aos direitos do povo argentino e reequilibra o jogo de forças na região. A extraordinária mobilização popular no Chile contra as políticas neoliberais de Sebastián Piñera demonstra o rechaço das maiorias a tais políticas e aponta conquistas, como a convocação de um plebiscito para uma nova Constituição, enterrando o legado nefasto de Pinochet. O levante indígena e popular no Equador, contra o governo entreguista de Lenín Moreno, também é exemplo de que já não é possível implantar um programa de ataques aos direitos de trabalhadores e trabalhadoras sem resistência popular. Na Venezuela, o povo resiste como pode à grave situação econômica e social, mas rechaça saídas que representem retrocessos às conquistas do chavismo.
Vale ressaltar que o apoio de Bolsonaro ao impostor auto-declarado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, ilustra bem o desastre da política externa levada a cabo por Ernesto Araújo. É necessário pressionar o governo pela retirada total do reconhecimento diplomático. O mesmo pode ser dito sobre o conflito entre os EUA e o Irã. O governo brasileiro se colocou de joelhos ante as pressões políticas e militares dos EUA, evidenciado no episódio do assassinato de Qassem Soleimani. Como pano de fundo, mais uma vez, está a luta pelo controle do Estreito de Ormuz, no Irã, por onde passam 1/3 das exportações de petróleo do planeta.
Diante das investidas imperialistas no Oriente Médio, estaremos na defesa da autodeterminação dos povos, no direito à autodefesa e na denúncia de qualquer novo ataque à soberania do povo iraniano. Da mesma forma, reafirmamos nosso compromisso histórico com a causa do povo palestino, atacado por uma proposta indecente de capitulação apresentado por Trump e Netanyahu. No partido e na bancada do PSOL, seguiremos ao lado das causas nacionais e democráticas (Catalunha, Curdistão, Palestina, Saara Ocidental).
No plano econômico, o acelerado crescimento da China nas últimas décadas mudou a configuração geopolítica global. Ao contrário de outros períodos, esta disputa não passa pelos suprimentos de matérias-primas e energia ou pelos mercados exportadores. O centro da disputa põe em xeque a hegemonia do dólar como moeda internacional de reserva e desloca-se para os mercados de Inteligência Artificial. Outro elemento desta disputa é a ameaça da substituição do dólar como moeda de reserva de valor e de referência para transações comerciais no mundo. Esta é a principal vantagem do império estadunidense, que tem na hegemonia monetária seu elemento central. Comprar qualquer bem ou serviço com moeda de sua própria emissão é a grande vantagem do poder imperial dos EUA que começa a ser ameaçada pela China.
Outro aspecto fundamental da crise do capital é a crise ecológica. As queimadas na Amazônia, o “inferno australiano” e a elevação da temperatura mundial mostram que o capital não está disposto a ser detido sequer pelos limites materiais impostos pela natureza. Os acordos climáticos, embora atenuem a situação, não são capazes de deter a ferocidade do sistema sobre os recursos do planeta. É preciso ir além, mudando padrões de consumo em escala global e colocando na ordem do dia uma nova forma de vida.
O ciclo global de lutas iniciado em 2011 não findou. Assim, o PSOL deve apoiar todas as manifestações genuinamente populares que rechacem vivamente o neoliberalismo e as políticas imperialistas em qualquer parte do mundo. Estimularemos articulações regionais e globais com partidos da esquerda radical, a fim de oferecer aos povos em luta uma alternativa ecossocialista e democrática, superior à mera administração do sistema. A era da conciliação chegou ao fim. É preciso somar forças na construção do futuro.
O Brasil pós-golpe
O final do primeiro governo Dilma sublinhou o acirramento do conflito distributivo entre capital e trabalho: com a manutenção do baixo nível de desemprego e o crescimento dos salários reais acima da produtividade do trabalho, as taxas de lucro do capital caíram rapidamente. Em 2015, o governo petista cedeu às pressões do empresariado e alterou a política econômica, resolvendo o conflito a favor do capital. Com a grande contração dos gastos públicos, o desemprego disparou e os salários despencaram.
O desemprego, além de diminuir a massa salarial e o poder de barganha de trabalhadores e trabalhadoras, reduziu seu poder de organização e deteriorou sua posição na relação capital-trabalho. Estes fatores são fundamentais para compreendermos a baixa capacidade de reação das classes trabalhadoras ao golpe parlamentar de 2016 e o aprofundamento da agenda neoliberal conduzida por Temer e, agora, de forma ainda mais radical, por Jair Bolsonaro.
Aprofunda-se o processo de desindustrialização do Brasil sem a perspectiva de crescimento de uma indústria de ponta nacional, pelo abandono de um projeto de desenvolvimento científico próprio. É um cenário contraditório, pois, em parte, o Brasil ainda tem enorme contingente da população privada dos benefícios da sociedade industrial do século XX, sem acesso ao saneamento básico, por exemplo. Paralelamente, o cenário criado pela revolução tecnológica favorece que a burguesia se aproprie dos ganhos de produtividade.
Para além dos crescentes níveis de desemprego, é importante atentar para a divisão atual das trabalhadoras e dos trabalhadores brasileiros em dois tipos: os primeiros, minoritários, são protegidos pela agenda de direitos trabalhistas do século XX. O segundo grupo, que ademais de majoritário tende a ampliar-se ainda mais, desempenha atividades temporárias e recebe remunerações menores no mercado informal. Sem contar com garantias trabalhistas, os últimos entendem os funcionários públicos e sindicalizados como portadores de privilégios. Aprender a escutar esta classe trabalhadora vulnerável é um imperativo para a sobrevivência da esquerda.
O aumento de pessoas conectadas à internet produz novas formas de organização, inclusive por parte da população até então excluída do debate político. As redes sociais atuam como novos meios de disseminação de insatisfações. Se, por um lado, estas novas audiências desafiam instituições tradicionais de representação política, por outro, criam novas redes de encorajamento e demandas – algumas das quais resultaram em enormes manifestações de rua. Os protestos de Junho de 2013 no Brasil e as recentes mobilizações no Equador, Chile e Colômbia revelam essas potencialidades. Mostram também a horizontalidade desses movimentos, nos quais o peso dos partidos e organizações da esquerda têm sido pequeno.
Derrotar Bolsonaro, Maia, Guedes e a agenda neoliberal
A vitória de Bolsonaro nas eleições de 2018 abre enfrentamentos com a agenda da esquerda que vão além dos direitos sociais. As liberdades democráticas conquistadas a partir de 1988 estão em risco, assim como os avanços de direitos individuais. Cresce o punitivismo, a misoginia, o racismo e a LGBTfobia. A luta contra a extrema-direita se dá em todas essas batalhas e deve ser travada diuturnamente.
Num ambiente marcado pela consolidação da extrema-direita como força política de massas, é essencial a formação de frentes, cujo desenho deve ser variado e adaptado às circunstâncias. A luta parlamentar pela defesa das liberdades democráticas e dos direitos individuais deve incluir setores liberais, assim como a luta de contenção da agenda neoliberal deve incorporar setores nacionalistas, de esquerda e centro-esquerda. Este último parâmetro deve nortear a política eleitoral do PSOL, buscando, sempre que as realidades locais permitirem, alianças com os partidos da oposição de esquerda e centro-esquerda a Bolsonaro.
A tarefa central neste momento é a construção de uma frente social e política capaz de conter as reformas neoliberais. Esta agenda de contenção deve se materializar em ações concretas para a retomada de um projeto de desenvolvimento econômico que melhore as condições de empregabilidade e amplie o gasto público, a partir da revogação da PEC-95 do Teto de Gastos e outras medidas. É fundamental que o Estado tenha condições de impulsionar a economia, visando a empregabilidade, a distribuição de renda e a justiça social, o que se alinha ao projeto apresentado pelo deputado Glauber Braga. Ademais, um programa de superação da crise no Brasil deve incorporar tarefas como a aceleração do modelo de transição energética a partir de um grande projeto nacional de pesquisa e investimento em tecnologias de baixo impacto ambiental; a defesa de uma reforma tributária progressiva com o aumento da incidência de impostos sobre a renda e o patrimônio; a reconstituição do parque produtivo estatal para viabilizar uma política independente de desenvolvimento nacional; a criação de aplicativos públicos de intermediação de serviços no âmbito dos municípios e forte regulação dos aplicativos privados; a atuação na organização e representação do trabalho informal, que permita a disputa ideológica junto a esses setores das classes trabalhadoras; o desenvolvimento de campanha de sindicalização e contribuição financeira nos sindicatos tradicionais para que tenham peso e força na negociação do período de transição tecnológica; a disputa dos ganhos de produtividade decorrentes das novas tecnologias.
Além da agenda econômica, Bolsonaro também busca atacar conquistas em áreas como educação, saúde, direitos humanos, meio ambiente, direitos dos povos indígenas, das mulheres, negras e negros, população LGBT+ e juventude. Sua “cruzada” contra conquistas democráticas e sociais alinha-se cabalmente às posições de natureza neofascista, como ficou evidente em diferentes momentos. A ampliação do Estado Penal, capitaneada por Sérgio Moro, é estratégia fundamental para tentar conter os conflitos sociais oriundos dessa nova etapa da acumulação neoliberal. Devemos atuar em muitas frentes, entendendo que fenômenos como o aumento dos feminicídios, da letalidade policial e da violência contra a juventude negra são a expressão dessa escalada reacionária que ganhou impulso com a vitória da extrema-direita.
Neste contexto de aumento da vulnerabilidade social, o punitivismo, que promove o encarceramento em massa, exerce papel fundamental na dominação de classes. Este encarceramento, historicamente um mecanismo de criminalização e marginalização dos excluídos, atingiu patamares nunca vistos. Uma vez que toda prática punitiva parte de uma perspectiva dominante e busca atingir aos que pretende dominar, a luta contra o encarceramento em massa é também a luta por direitos e pela emancipação de classes.
O papel do PSOL até aqui
Diante do surgimento da maior ofensiva reacionária desde a ditadura civil-militar, o PSOL não abriu mão de enfrentar os retrocessos impostos pelas classes dominantes. Desde o final do governo Dilma, quando se implementa a agenda do “ajuste fiscal”, nos colocamos na linha de frente contra os ataques ao povo brasileiro. Em 2018, a fim de oferecer uma saída de esquerda e radical para o Brasil, apresentamos uma candidatura presidencial independente que expressava a defesa e a ampliação dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores, assim como a rejeição do projeto de conciliação com as classes dominantes, sem, contudo, alimentar o antipetismo sectário.
Lançar Guilherme Boulos e Sônia Guajajara dentro de uma aliança com MTST, APIB, Mídia Ninja e PCB foi um divisor de águas na história do PSOL: construímos uma coalizão nova entre as organizações de esquerda com uma práxis distinta; apresentamos um rico programa eleitoral construído coletivamente, com saídas para a crise do país; fomos coerentes ao disputar e nos apresentar como alternativa no primeiro turno, sem deixar de envidar os esforços necessários para a unidade no apoio a Haddad e Manuela contra Bolsonaro.
O PSOL é hoje o terceiro partido na preferência do eleitorado, o que nos permite afirmar que estamos no caminho certo. Porém, tornar-se uma alternativa de poder para as maiorias sociais depende do nosso comprometimento com a construção da luta unitária, com a esquerda que se movimenta contra o caos social, econômico e político que vive o Brasil. Por isso, trabalharemos pela unidade na diversidade, construindo sínteses e alianças onde houver base política para tal e, ao mesmo tempo, reafirmaremos o papel do PSOL no processo de reorganização da esquerda brasileira. Como prova dessa disposição de unidade, o PSOL não hesitou em defender a liberdade de Lula, aderindo à campanha #LulaLivre e denunciando a seletividade da Operação Lava-Jato, sem deixar de registrar nossas diferenças com as posições defendidas pelo ex-presidente ou o PT quando necessário.
Outro aspecto a ser ressaltado é o crescimento de nossa bancada. Enfrentamos e superamos a cláusula de barreira, dobrando o número de deputados federais. Isso demonstra nosso compromisso de representar, substantivamente, trabalhadoras e trabalhadores, mulheres, negras e negros, LGBTQ+ e jovens na política. Esse compromisso também se expressa no fato de sermos o único partido que possui paridade de gênero no parlamento, enquanto que a participação feminina na política do país fica em apenas 15%.
Apesar de mais plural, nossa bancada garantiu uma importante unidade interna nos principais temas da conjuntura. A disputa para a presidência da Câmara dos Deputados, com Marcelo Freixo, foi uma demonstração de que a bancada do PSOL afirmaria uma posição de clara independência em relação aos partidos do “centrão”. Colaborou para isso uma proximidade constante entre a direção e a bancada, com reuniões regulares entre os dirigentes da Executiva Nacional e nossas e nossos parlamentares. A construção de decisões de forma coletiva e dialogada é a chave para a manutenção da unidade e para seguir fazendo da bancada do PSOL a mais combativa do Congresso Nacional
Nosso desafio nas eleições de 2020
As eleições municipais de 2020 impõem vários desafios ao PSOL. De um lado, trata-se de um momento privilegiado para travar a disputa de ideias na sociedade, unificar e dar voz e bandeira às e aos que se opõem à ofensiva conservadora. Para isso, deve ser critério para o PSOL nesta campanha, não deixar bandeiras pelo caminho – o que não significa, porém, apostar em campanhas que ignorem a necessária pedagogia para o convencimento. Falar para fora da bolha, dialogar com diferentes, com as pessoas que não conhecem ou não entendem nossos valores, unificando as demandas materiais com a defesa de direitos e liberdades, esta deve ser a nossa meta.
Devemos lutar para eleger vereadoras e vereadores no maior número de cidades, para ter voz na política cotidiana dos municípios, assim como disputar para vencer em cidades de grande porte e capitais – como é possível no Rio de Janeiro, Belém e Florianópolis – buscando constituir frentes com os partidos que se opõem a Bolsonaro e sua agenda neoliberal. A relação com estes partidos será desigual, dada a diversidade de realidades locais, especialmente onde a centro-esquerda é governo e aplica políticas de ajuste fiscal contra os trabalhadores e trabalhadoras. Não haverá, no entanto, ingerência sobre os Diretórios Municipais do PSOL, aos quais cabe a palavra final sobre a conveniência das alianças, desde que respeitando os marcos nacionais.
A tarefa de contenção do avanço da agenda neoliberal passa por derrotar (com candidatos próprios ou em aliança com os partidos da oposição) os candidatos da direita e da extrema-direita no maior número possível de municípios. Em grande medida, é da correlação de forças destas eleições que depende a pujança das oposições para derrotar Bolsonaro e a agenda de Maia e Paulo Guedes em 2022.
O PSOL precisa de uma revolução democrática
Em 2020 o PSOL completará 15 anos. Nesse período nos firmamos como espaço de militância para milhares de ativistas de movimentos sociais e também nos tornamos referência do que podemos chamar de “embrião de uma nova esquerda” na busca para superar o caminho da adaptação ao sistema, trilhado pelas forças de centro-esquerda que estiveram no governo.
Se na política nos afastamos das experiências anteriores, no nosso funcionamento evocamos o passado. A lógica interna impõe às novas e aos novos filiadas e filiados a participação em uma tendência interna para que se possam acessar os espaços de decisão, ainda restritos aos processos congressuais, bancada e instâncias partidárias. Milhares de filiadas e filiados não possuem canal eficaz de comunicação. Continuamos atuando como uma federação de agrupamentos com baixa unidade nos movimentos sociais.
Nesses quinze anos tivemos avanços democráticos importantes. Nossas direções são eleitas de maneira proporcional, o que permite maior compartilhamento de poder, além de contar com a paridade de gênero, o que deveria garantir maior poder de voz às mulheres. Nossas direções possuem 30% de negras e negros, o que deveria enegrecer nossas posições. Essas políticas frutificaram, não há como negar. Hoje metade da nossa bancada federal é feminina. Muitas direções expressivas, inclusive no parlamento, estão compostas por mulheres negras, caminho aberto por nossa companheira Marielle Franco. Contudo, ainda são homens que ocupam os principais espaços de decisão e, apesar de reconhecermos o caráter estrutural da discriminação de gênero e raça, nem sempre isso se reflete em nossas políticas. Representatividade é visibilidade, mas também poder real.
É difícil mudar. Mas decidimos ousar e propor mudanças radicais, necessárias e difíceis. Queremos que o VII Congresso inaugure um processo que chamamos de “Revolução Democrática” no PSOL, para que o partido seja mais unitário, mais participativo, mais negro, mais feminista, mais LGBT e consiga criar um ambiente interno acolhedor para as novas gerações de ativistas sociais de nosso país. A cada processo congressual nosso partido cresce de forma significativa no número de novas filiadas e novos filiados (hoje já são 185 mil). Porém, é necessário criar vínculos mais orgânicos e empoderar no processo decisório cada uma e cada um que escolheu fazer parte do partido. Hoje não temos um cadastro nacional de quem são essas e esses filiadas e filiados, o que fazem, o que pensam ou onde atuam. Nossas informações são aquelas poucas fornecidas pelo TSE e não temos uma forma direta de comunicação. Por isso, propomos:
1. Recadastramento nacional de filiadas e filiados: até o próximo ano teremos um perfil de todas as pessoas filiadas e canais de comunicação eficientes com cada uma e cada um. Os direitos vigentes não serão revogados, mas os novos instrumentos de participação serão acessados pelos que fizerem o recadastramento. Com esse processo teremos condições de ter uma comunicação direta e periódica, partidária e transparente, com nossas filiadas e nossos filiados;
2. Consulta direta: nossa proposta é que as principais questões partidárias, posicionamentos mais estruturais do partido, mudanças significativas etc., passem pelo crivo das filiadas e filiados. Ainda temos um deficit de formulação em temas importantes, o que pode ser superado com mais debate interno em plenárias, encontros, eventos, fortalecimento dos núcleos partidários existentes e outros que venham a se constituir. Mas o mais importante: temos que criar formas de decisão direta que não dependam apenas das instâncias partidárias, responsáveis por conduzir as posições do partido. Com as novas tecnologias disponíveis isso é plenamente possível.
3. Comunicação: é atributo das instâncias partidárias, de suas secretarias e setoriais. Porém, na tomada de decisões, as várias visões terão acesso aos canais oficiais do partido. Além disso, investiremos em novas linguagens e novas mídias. A democracia direta deve vir acompanhada de garantia à pluralidade de posições e da criatividade no uso da comunicação.
4. Empoderamento das setoriais: avançamos muito ao estabelecer que as setoriais seriam parte da estrutura decisória do partido, mas pouco em sua institucionalização. Não temos um regimento nacional para o funcionamento das setoriais ou regras reconhecidas por todas e todos para sua criação. Temos que transformar os setoriais, superando três problemas: i) a lógica de disputa interna; ii) a participação apenas direcionada às “iniciadas” e “iniciados” de cada tendência; iii) e a falta de estrutura que garanta o mínimo funcionamento. A primeira mudança será estabelecer regras pactuadas para a constituição de setoriais nacionais. A segunda será, via cadastro, comunicar reuniões e formulações para o conjunto das pessoas filiadas, priorizando o chamado às pessoas que se identificarem com a temática. Para isso, as setoriais ganharão espaço nas redes sociais do partido e garantiremos recursos mínimos para, pelo menos, uma reunião nacional anual.
5. Fundação Lauro Campos & Marielle Franco: nos últimos anos verificamos avanços notáveis na FLCMF. Uma vez “desaparelhada”, a Fundação passou a servir ao partido, com publicações, eventos, debates e um espaço acessível à militância que se desloca a São Paulo. Mas é preciso avançar. Na próxima gestão, defendemos a discussão de um plano de trabalho que torne a FLCMF um espaço de reflexão crítica do PSOL e a serviço da formação política.
6. Formação política: a formação política não é a solução para todos os problemas da esquerda. Mas é essencial para elevar o nível de consciência de nossas militantes, filiadas e filiados. É necessário, portanto, que o partido disponha de um programa nacional de formação e deixe de relegar a tarefa de formação de nossa militância às tendências internas.
7. Secretarias partidárias: esse é o maior desafio de nossa revolução democrática, posto que significa mudança cultural profunda: romper com a lógica de apropriação particular pelas tendências dos espaços partidários. As disputas continuarão, mas a “máquina partidária” precisa ser colocada a serviço de todo o partido. Para isso será necessário o estabelecimento de procedimentos obrigatórios na rotina partidária, em todos os níveis:
a) Transparência e prestação de contas periódica dos recursos recebidos;
b) Estrutura profissional de funcionários, proporcional às necessidades crescentes do partido com responsabilidades inequívocas, separando as profissionalizações políticas e as funções administrativas;
c) Funcionamento das instâncias partidárias de forma adequada e periódica, incluindo nossa Fundação;
d) Secretarias partidárias com plano de trabalho, estrutura mínima e prestação de contas;
e) Liberações de dirigentes vinculadas às funções exercidas nas secretarias e cobrança das tarefas desempenhadas nas áreas correspondentes;
f) Recursos destinados ao funcionamento das setoriais como parte do planejamento e com acompanhamento de secretarias partidárias.
Acreditamos que essas medidas tornarão o PSOL mais militante, mais democrático e mais preparado para as transformações do nosso tempo. Convidamos a todas e todos que concordam com estas propostas, que sejam signatárias e signatários deste texto, além de protagonistas da construção de um novo momento do PSOL mais amplo, inclusivo e enraizado nas lutas do povo brasileiro. Um PSOL que honre o legado de Marielle. Um partido à altura dos desafios do nosso tempo.
